Entenda o polêmico projeto de lei na Geórgia que gerou uma onda de protestos

O parlamento da Geórgia deve aprovar uma lei altamente controversa chamada de "agentes estrangeiros", que desencadeou uma onda de protestos em todo o país.

Foto: YouTube

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O parlamento da Geórgia deve aprovar uma lei altamente controversa chamada de "agentes estrangeiros", que desencadeou uma onda de protestos em todo o país.

A votação ocorre depois que milhares de pessoas tomaram as ruas contra a legislação na capital, Tbilisi.

Veja o que você precisa saber sobre a lei e a polêmica que ela já causou na Europa.

O que diz a lei?

O projeto de lei exigiria que as organizações que recebem mais de 20% do seu financiamento vindos do exterior se registassem como "agentes de influência estrangeira" ou enfrentariam algum tipo de paralisação.

A legislação foi elaborada pelo partido Georgian Dream, que junto com os seus aliados controla o parlamento. A proposta será votada na terça-feira (14) e deve ser aprovada.

À CNN, a presidente da Geórgia, Salome Zourabichvili, chamou a lei de "uma cópia exata" de um projeto adotado pelo presidente russo, Vladimir Putin.

Ela prometeu vetar o projeto, mas isso não deve ter muito impacto.

O governo da Geórgia é formado por um sistema parlamentar. Zourabichvili acaba sendo uma figura simbólica. O verdadeiro poder está nas mãos do primeiro-ministro Irakli Kobakhidze.

O bilionário e fundador do Georgian Dream, o ex-primeiro-ministro Bidzina Ivanishvili, também exerce influência política significativa.

Por que é tão controverso?

Há algumas razões para isso.

A lei proposta segue o modelo de uma lei semelhante na Rússia, que o Kremlin tem utilizado para extinguir cada vez mais a oposição e a sociedade civil.

Muitas pessoas temem que a lei sobre ‘agentes estrangeiros’ seja utilizada da mesma forma que no território russo: para reprimir a dissidência e a liberdade de expressão, perseguindo organizações não-governamentais com alianças financeiras no exterior.

Georgian Dream afirma que a legislação promoverá a transparência e a soberania nacional e respondeu às críticas ocidentais sobre a proposta.

Mas a possível aprovação da lei tocou numa questão mais existencial: se o futuro da Geórgia está nas mãos da Europa ou da Rússia.

A Geórgia, tal como a Ucrânia, ficou presa entre as duas forças geopolíticas desde que alcançou a independência da União Soviética em 1991.

Muitos sentem profunda hostilidade em relação ao Kremlin, que invadiu a Geórgia em 2008 e ocupou cerca de 20% do seu território reconhecido internacionalmente – aproximadamente a mesma proporção que a Rússia ocupa na Ucrânia.

O Georgian Dream é há muito acusado de nutrir simpatias pró-Rússia, especialmente tendo em conta que Ivanishvili fez fortunas na União Soviética.

Como a maioria da população se sente a respeito?

Fanáticos. Tanto é que os legisladores já chegaram a brigar por causa do projeto.

As pesquisas mostram que cerca de 80% da população apoia a adesão à União Europeia, em vez de se deixarem levar pela órbita do Kremlin. Muitos dos que são a favor do aprofundamento dos laços com o Ocidente saíram às ruas.

Manifestações em massa contra o projeto de lei em Tbilisi acontecem todas as noites há um mês. Cerca de 50 mil pessoas protestaram contra o projeto no último domingo (12).

Também houve contraprotestos. Vimos Ivanishvili (ex primeiro-ministro do país) fazer um raro discurso perante uma multidão de apoiadores em Tbilisi vindos das regiões rurais da Geórgia, onde o Georgian Dream tem mais apoio.

O discurso mostrou profunda paranoia e um traço autocrático. Ivanishvili afirmou que a Geórgia estava sendo controlada por "uma pseudo-elite alimentada por um país estrangeiro" e prometeu perseguir os seus oponentes políticos após as eleições de outubro.

A Geórgia já não passou por isso?

Sim, no ano passado.

O governo da Geórgia tentou aprovar a mesma lei, mas foi forçado a retirar após uma semana de protestos intensos, em que cidadãos agitavam bandeiras da União Europeia e eram atingidos por canhões de água.

O projeto de lei foi reintroduzido em março, cerca de um mês depois de Kobakhidze se tornar primeiro-ministro. Desta vez, as autoridades parecem determinadas a aprovar a legislação.

O que outros países disseram?

O conselheiro de segurança nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, escreveu no X que Washington está "profundamente alarmado com o retrocesso democrático na Geórgia".

"Os parlamentares enfrentam uma escolha crítica: apoiar o povo que quer fazer parte da União Europeia ou aprovar uma lei sobre agentes estrangeiros ao estilo do Kremlin, que vai contra os valores democráticos", disse ele. "Estamos ao lado do povo."

O Kremlin alegou que a lei estava sendo usada para "provocar sentimentos contra a Rússia", acrescentando que os protestos contra ela estavam sendo estimulados por influências "externas".

"Esta é agora a prática normal de um grande número de Estados que estão fazendo de tudo para se protegerem da influência externa, da influência estrangeira na política interna. E todos os países estão agindo de uma forma ou de outra, mas todos estes projetos de lei têm o mesmo objetivo", disse o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, em abril.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse num comunicado no início deste mês que estava acompanhando os acontecimentos na George com "grande preocupação" e reiterou o desconforto de Bruxelas em relação à lei.

"A Geórgia está numa encruzilhada. Deve manter o rumo no caminho para a Europa", disse ela.

A lei ter pode ter impacto em uma possível adesão da Geórgia na UE?

Com certeza.

A Geórgia se candidatou pela primeira vez à adesão à UE em 2022 e obteve o estatuto de candidata em dezembro, um passo importante, mas ainda inicial, no processo de adesão ao bloco.

No entanto, Bruxelas disse no mês passado que a aprovação da lei iria "impactar negativamente" o caminho da Geórgia para a adesão à UE

"A Geórgia tem uma sociedade civil vibrante que contribui para o progresso bem sucedido do país rumo à adesão à UE. A legislação proposta limitaria a capacidade da sociedade civil e das organizações de comunicação social de operarem livremente, poderia limitar a liberdade de expressão e estigmatizar injustamente as organizações que proporcionam benefícios aos cidadãos da Geórgia", afirmaram representantes da UE.

"A UE incentiva a Geórgia a abster-se de adotar legislação que possa comprometer o caminho do país para a UE, um caminho apoiado pela esmagadora maioria dos cidadãos."