50 anos de Jornalismo, meu Jubileu de Ouro

Jubileu é uma palavra em desuso, mas não encontro outra para marcar meus 50 anos de Jornalismo comemorados segunda-feira.

50 anos de Jornalismo, meu Jubileu de Ouro

Jubileu é uma palavra em desuso, mas não encontro outra para marcar meus 50 anos de Jornalismo comemorados segunda-feira. Quando comecei na profissão carregava toda a história do meu avô Félix, dos tios Herbert e Dauto e dos primos Gilson e Evaldo, os jornalistas da família até então. A responsabilidade de me sair bem na profissão pesava, mas ao mesmo tempo não era algo desconhecido. Ainda concluindo a graduação em Jornalismo, em Brasília, comecei a estagiar no dia 25 de março de 1974, na sucursal do Jornal do Brasil (JB), e não parei de exercer a profissão até hoje. A formatura foi em julho do mesmo ano.

"O que você viveu ninguém rouba" escreveu Gabriel García Márquez, jornalista, escritor e político colombiano. Essa frase dele provoca lembranças pessoais, mas também a memória do mundo vivido no campo profissional como repórter, assessora de imprensa e docente de Jornalismo. Quando pisei numa redação de jornal pela primeira vez não tinha nem 21 anos de idade. E não percebia, em plena ditadura militar no Brasil, toda dimensão do papel do Jornalismo naquele período nem da responsabilidade social do jornalista. O JB me deu um aprendizado e um conhecimento da realidade do país fundamentais para minha escalada como jornalista.

Tenho um orgulho danado de ter estreado no Jornal do Brasil, um veículo que faz parte da história da imprensa brasileira. Depois fui para a sucursal de O Globo, onde trabalhei por quase cinco anos e fiz coberturas importantes, como a da morte do ex-presidente JK. Nesses jornais impressos fui repórter, o que apura a notícia e a redige. Fechando o ciclo em Brasília está a Comunicação Social do Ministério da Saúde. Lá aprendi tudo sobre campanhas publicitárias de utilidade pública, principalmente as de vacinação, marketing e assessoria de imprensa. Em 1982 voltei para Cuiabá (de onde saí em 1970 para estudar no DF) como repórter da Empresa Brasileira de Notícias (EBN), hoje Empresa Brasileira de Comunicação (EBC).

Na EBN reportava notícias de Mato Grosso para o país, difundindo a pluralidade de assuntos daquele tempo marcado por transformações no estado. Minha filha Bianca lembra do "orgulho em contar às amigas da escola" que a mãe falava no rádio. "Sonia Zaramella entrava ao vivo como repórter na Voz do Brasil, direto do escritório da EBN, em Cuiabá. Eu tinha uns seis ou sete anos e achava aquilo o máximo!", recorda ela. Hoje, Bianca é minha herdeira no Jornalismo. Posteriormente a EBN, que era uma agência de notícias estatal, passei por assessorias de imprensa, pelo jornal Diário de Cuiabá e fui correspondente no estado dos jornais Correio Braziliense e O Globo.

Por concurso público, em 1994, ingressei no magistério como professora do curso de Comunicação Social da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Reunir as duas práticas – a Academia e o Jornalismo – me colocou numa condição de muito comprometimento. Estudei bastante, obtive o título de Mestre em Ciências da Comunicação pela USP. E na Academia contei com um aliado importantíssimo para o exercício da docência, justamente proporcionado pelo Jornalismo, que foi o amplo conhecimento das questões da minha terra, sua relevância econômica, cultura diversa e plural, personagens e personalidades.

Cito agora outra frase, desta vez do escritor e dramaturgo nordestino Ariano Suassuna: "o otimista é um tolo, o pessimista é um chato, bom mesmo é ser realista esperançoso". Penso que é pertinente para o tempo presente em que o Jornalismo passa por fases atribuladas no país. Como repórter noticiei fatos políticos da ditadura militar às eleições diretas para presidente, acompanhei os incontáveis planos econômicos e as ações sociais e ambientais em várias frentes, enfim, um universo de assuntos. Nessa mesma perspectiva vi Mato Grosso passar de 'patinho feio' a 'cisne', porém guardando uma imagem de líder agrícola do país junto com a de predador de seu meio ambiente.

Na conjuntura atual, todavia, há ataques recorrentes à imprensa, um dos pilares da democracia, e ao jornalismo em si, afetado por fake news e 'repórteres' de redes sociais, o que é triste. Parte disso vem da polarização política esquerda x extrema-direita dos últimos anos no país. Outra decorre de uma nova forma de consumo e produção de informações propiciada pela tecnologia, o que contamina, em certa proporção, o jornalismo profissional. Mesmo vendo as críticas rasas dos que desconhecem os princípios da prática jornalística, sou uma "realista esperançosa", como sugere Suassuna. Sempre em frente, olhar atento e pé no chão. Reajo às ofensas só de quem analisa com competência o Jornalismo. As demais ignoro.

Sou uma cuiabana bairrista, valorizo hábitos, costumes, linguajar e cultura locais. Daí que resolvi justapor às frases de García Márquez e Suassuna duas expressões dos conterrâneos neste texto do Jubileu, que são as seguintes: "sou uma bananeira que já deu cachos" e "você é um touro que não sabe a força que tem". Às portas de completar 71 anos, no entanto, percebo que não me acomodei, ainda tenho 'cachos'. Entre outros, esta coluna semanal no Eh fonte, revisões de textos, relatórios, enfim, trabalhos proporcionados pelo Jornalismo. Quanto à 'força do touro', de fato, parece que é real no meu caso porque as vivências profissionais prosseguem. Só não sei até quando vai.

Já no campo pessoal, retomando García Márquez, 1974 sinalizou também o início do namoro com José Luiz que resultou em núpcias e dois filhos. Isso quer dizer que o Jornalismo chegou em minha vida antes do casamento e antes de Bianca e Bruno. E que um não prejudicou o outro, ao contrário, caminharam lado a lado pois as Bodas de Ouro estão próximas. Tudo valeu (e vale) a pena – "o que eu vivi na minha vida pessoal e nas missões de trabalho ninguém rouba". Conquistas, dificuldades, sucesso, alguns fracassos, desafios e as situações inerentes à existência humana passaram por esses 50 anos.

Agradeço aos meus pais que confiaram em mim e investiram nos meus estudos, ao marido José Luiz que, mesmo zangado, entendia que plantões e imprevistos fazem parte do trabalho da imprensa, minha filha Bianca, companheira e herdeira de profissão, meu saudoso filho Bruno que, apesar de ter partido precocemente para a eternidade, conheceu meu fazer jornalístico. Irmãos, familiares e amigos têm também minha gratidão. O carinho especial deste Jubileu vai para os colegas jornalistas. Viva nós! Resistam!

 

Sônia Zaramella