STF racha ao julgar tema de interesse do Congresso

O julgamento realizado na 4ª feira (28.

STF racha ao julgar tema de interesse do Congresso
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O tribunal decidiu que é inconstitucional a regra que excluía da última fase de distribuição das sobras eleitorais partidos que não atingiram o patamar de 80% do quociente eleitoral.

Em um 2º momento, o Supremo discutiu se a decisão iria retroagir para as eleições de 2022 ou se valeria a partir de 2024. Uma ala puxada por Alexandre de Moraes defendeu que a mudança fosse aplicada já em 2022, o que mudaria a composição atual da Câmara, com 7 deputados federais perdendo os mandatos:

Alexandre de Moraes defendeu de maneira enfática que a decisão deveria ser aplicada retroativamente. O entendimento foi acompanhado por outros 4 ministros: Gilmar Mendes, Flávio Dino, Dias Toffoli e Nunes Marques.

Conforme os votos foram avançando e o andamento do julgamento se desenhava no sentido de que a mudança só teria efeito em 2024, Moraes tentou convencer os colegas do oposto e que a inconstitucionalidade da regra sobre divisão das sobras eleitorais era o mesmo que considerar que os 7 deputados federais que seriam substituídos "não foram eleitos". De maneira fervorosa e enérgica, Moraes alertou os demais:

"Gostaria de reiterar: esse precedente é desastroso, com todo o respeito à maioria formada. Nós vamos manter 7 deputados federais que não foram eleitos. Nós todos aqui, por maioria, decidimos que eles não foram eleitos".

O presidente do STF, Roberto Barroso, rebateu Moraes imediatamente. Em alguns instantes, os 2 falaram ao mesmo tempo, numa quase altercação.

Barroso afirmou que a regra das sobras eleitorais era válida quando os 7 deputados federais foram eleitos. Disse também que a aplicação retroativa levaria a uma interferência indevida no processo eleitoral. Lembrou ainda que os 7 congressistas foram diplomados pelo Tribunal Superior Eleitoral e que haviam tomado posse no tempo devido.

O diálogo entre os 2 foi ríspido.

Assista ao momento em que Moraes e Barroso discutem (3min11s):

A ministra Cármen Lúcia, que agora também acumula o cargo de presidente do TSE, falou logo depois. Ela também se opôs à fala de Moraes de maneira dura e direta. Afirmou que considerar inconstitucional a regra que excluía partidos que não atingiram o quociente eleitoral não era o mesmo que dizer que 7 deputados não foram eleitos em 2022. A ministra considerou que seria errado cassar os mandatos desses congressistas.

Cármen não citou nomes na sua fala, mas sua declaração foi em resposta direta à seguinte fala de Moraes: "Nós todos aqui, por maioria, decidimos que eles não foram eleitos".

Eis o que disse a ministra:

"Só um esclarecimento: eu votei no sentido da invalidade constitucional da norma. No meu voto, eu não digo que não houve eleição de quem está na Câmara dos Deputados. Eu votei a norma, sob a égide da qual, foram considerados eleitos pela Justiça Eleitoral, diplomados e empossados. Pela nossa interpretação e julgamento, não tinha a validade que se esperava. Mas, eu não votei isso e o meu voto realmente precisa prevalecer do jeito que eu votei".

Assista à declaração de Moraes e à resposta de Cármen (3min21s):

Até o ministro Luiz Fux, que não costuma protagonizar momentos de embate na Corte, mostrou-se incomodado com as interferências da corrente a favor de aplicar a decisão retroativamente, já em 2022.

"Vou permitir, claro, a intervenção dos pares, mas em toda a minha vida de colegiado eu nunca assisti, depois de um debate que nos dedicamos e aprontamos o voto, termos que mudar completamente aquela percepção que nós tivemos", disse.

RUPTURA NO SUPREMO

A discussão representa uma "ruptura silenciosa" no STF após uma prevalência de decisões quase monolíticas entre os ministros durante os últimos anos: do governo de Jair Bolsonaro (PL) até o final de 2023. A discussão durante o julgamento de 4ª feira (28.fev) indica que o momento de pensamentos blocados entre os integrantes da Corte pode estar se aproximando de uma fase crepuscular.

O grupo derrotado –formado por Moraes, Gilmar, Toffoli, Dino e Nunes Marques– é historicamente mais próximo dos políticos. Com a cassação dos mandatos dos congressistas, a intenção dos magistrados era manter uma boa relação o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), favorito a comandar a Casa Alta a partir de 2025.

Para o Supremo, é importante ter uma relação lhana e de confiança com Alcolumbre.

O senador tinha interesse direto no julgamento porque 4 dos 7 deputados que perderiam o mandato eram do seu Estado, o Amapá. A troca beneficiaria o congressista, que contaria com a vinda de deputados politicamente mais próximos a ele e mais simpáticos ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Não aconteceu. A tese defendida por Moraes e Gilmar foi derrotada.

É de interesse do Supremo uma relação de proximidade com o próximo presidente do Congresso Nacional, já que o atual chefe do Legislativo, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), passou a ter uma relação arestosa com a Corte em 2023. Além de criticar publicamente os integrantes do STF, Pacheco também apoiou e levou adiante propostas que tinham o objetivo de limitar os poderes dos magistrados.

Ao mirar uma boa relação com o futuro do presidente do Senado, os ministros buscam proteção do que pode vir a ser a composição da Casa Alta depois de 2026.

Há um temor constante entre os ministros do STF de um recrudescimento do Senado em relação à Corte depois da eleição de 2026. Nessa disputa, serão renovados 2 terços dos 81 senadores. Aliados de Bolsonaro não escondem a estratégia de buscar conquistar muitas cadeiras em 2026 para ter maioria na Casa Alta e, assim, eventualmente propor o impeachment de algum integrante do STF.

ENTENDA O JULGAMENTO

Por 7 a 4, os ministros determinaram a inconstitucionalidade da regra atual das sobras eleitorais. Depois, votaram para definir o momento de aplicação das novas regras e decidiram que os efeitos do julgamento só passariam a valer a partir de 2024. Como presidente do Supremo, Barroso tangeu o processo para que esse procedimento fosse seguido. Mas teve participação ativa nos bastidores o ministro André Mendonça.

Eis como ficou o placar:

  • 6 votos para que a decisão não fosse retroativa: André Mendonça, Cármen Lúcia, Edson Fachin, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski (então relator do caso e já aposentado) e Roberto Barroso (presidente do STF);
  • 5 votos para que a decisão fosse aplicada aos candidatos eleitos em 2022: Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Flávio Dino, Gilmar Mendes e Nunes Marques.

O ministro Cristiano Zanin não votou porque o seu antecessor, o ministro aposentado Ricardo Lewandowski, já havia elaborado e apresentado o voto.

Com o placar apertado, o julgamento significou mais do que só uma decisão sobre como calcular o excedente de votos na divisão de cadeiras na Câmara. A sessão representou um sinal –como não se via há algum tempo– de uma divisão de poder dentro da Corte.