Andar pela cidade transformou nossas vidas em um palco aberto, mas esse "Big Brother" urbano pode ser bem eficaz

Certamente você já deve ter se deparado com câmeras distribuídas em edifícios, estradas, postes, semáforos e viaturas de policiamento integrando-se à paisagem urbana.

Andar pela cidade transformou nossas vidas em um palco aberto, mas esse

Certamente você já deve ter se deparado com câmeras distribuídas em edifícios, estradas, postes, semáforos e viaturas de policiamento integrando-se à paisagem urbana. Estes dispositivos nos observam atentamente, capturando cada passo, gesto, expressão, atitude e comportamentos em busca de padrões e informações que possam ser utilizadas por aqueles que as instalaram. Diferentemente das telas de um smartphone em que postamos o que queremos, nossa vida pública é vasculhada por testemunhas silenciosas que, atentas, observam nossas interações com a cidade. Andar pela cidade transformou nossas vidas em um palco aberto, com ou sem a nossa ciência. A despeito das discussões sobre a perda do controle sobre a nossa imagem e sobre como ela é utilizada por empresas e setores da administração pública que capturam imagens, o fato é que atualmente os dados gerados diariamente na internet ultrapassam os 2,5 quintilhões de bytes gerados por bilhões de usuários diariamente, números que apontam para um crescimento significativo na sua produção em qualquer formato.

The real-time city is real!” (“O tempo real da cidade é real”). Com esta frase, o Senseable City Lab (MIT) vem trabalhando a gestão urbana contemporânea a partir do uso da abundância de imagens disponíveis (Google Street View é uma das plataformas utilizadas) para compreender os diferentes aspectos da cidade. Dar sentido a esses conjuntos de imagens que depois são transformados em dados visuais podem nos ajudar a medir a legibilidade do espaço, a quantificar diferentes aspectos da vida urbana e, como consequência, projetar ambientes responsivos. Cidades são organismos complexos que demandam abordagens e uso de redes e informações digitais em todo o seu território para a compreensão das dinâmicas e interações do ambiente construído. O Senseable City Lab (MIT) antecipa e estuda mudanças urbanas por meio de uma abordagem omni-disciplinar, combinando insights, metodologias e técnicas de várias áreas que integram conhecimentos e habilidades de designers, planejadores urbanos, engenheiros, cientistas sociais, biólogos, físicos e outras disciplinas envolvendo diversos setores e comunidades visando aprofundar o entendimento mútuo entre cidades e habitantes.

Essas tecnologias, quando associadas à instalação de sensores, permitem antecipar mudanças ao capturar informações em tempo real, fornecendo uma visão abrangente e atualizada das situações que ocorrem nas ruas da cidade. Ao coletar dados em tempo real sobre o tráfego, tempo semafórico dedicado à qualidade do movimento de pedestres e ciclistas em vias, condições ambientais relacionadas à produção de ruídos, sensação térmica, velocidade e direcionamento dos ventos, zeladoria urbana (limpeza de vias públicas, reparos em calçadas e praças, poda de árvores, manutenção de iluminação pública, remoção de entulhos e fiscalização de áreas verdes), por exemplo, podem identificar tendências emergentes, detectar problemas rapidamente e informar decisões de planejamento urbano e políticas públicas de forma proativa.

No Brasil, algumas capitais e cidades vêm se destacando na utilização de tecnologias para a gestão de informações e auxílio no planejamento de políticas públicas voltadas à vigilância e segurança, incluindo Internet das Coisas (IoT) para a captação de dados em tempo real, Big Data e Analytics com o objetivo de processar as informações, Inteligência Artificial (IA) para gerar insights e extrair percepções significativas de dados, proporcionando compreensão completa de problemas, Sistemas de Informação Geográfica (SIG) para a análise de dados espaciais, blockchain para a segurança e transparência e plataformas interconectadas promovem compartilhamento de dados. Quando integradas, essas tecnologias capacitam autoridades a planejar e implementar políticas eficazes, adaptadas às necessidades das comunidades urbanas.

Recentemente, a Prefeitura de São Caetano do Sul lançou o Programa São Caetano Mais Segura, investindo mais de R$ 70 milhões em 2023. O programa visa implantar uma infraestrutura urbana para suportar as mais de 400 câmeras 360 graus já instaladas e a expansão de 1.335 planejadas que cobrirão toda a cidade. Além disso, inclui a instalação do Centro de Gerenciamento de Emergências (CGE), responsável por monitorar e gerenciar situações urbanas de emergência, usando câmeras 360 graus e sensores. Além disso, foi realizada a integração das forças de segurança à tecnologia e ampliado o efetivo, por meio de convênio com o governo do Estado e a integração das câmeras das viaturas da GCM aos sistemas Muralha Paulista e Córtex. Estes sistemas permitem a identificação imediata de veículos cadastrados no CGE como roubados, assim que entram na cidade. Um pop-up alerta tanto o CGE quanto as viaturas da GCM sobre a irregularidade, aumentando a eficiência na captura de criminosos e garantindo segurança diária.

Para quem não conhece a tecnologia necessária para assegurar a eficiência e eficácia do sistema de segurança, as câmeras 360 graus requerem a implantação de uma rede robusta de cabos ópticos para transmitir dados em tempo real com alta velocidade e qualidade de imagem e a garantia de sistemas de energia estáveis para o funcionamento contínuo. O controle e monitoramento eficazes requerem software de gerenciamento sofisticado, permitindo análise e detecção de eventos em tempo real. Além da instalação de infraestruturas de suporte, como postes e torres, que permitirão o posicionamento estratégico das câmeras. Paralelamente, medidas de segurança cibernética para proteger câmeras e dados contra acesso não autorizado e ataques foram tomadas para a eficácia do programa. Dados divulgados pela Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP) entre os meses de mês de março de 2023 e 2024 mostram uma queda em diversas categorias de crimes: redução nos casos de roubo de veículos (45%,), furto de veículos (37,50%), roubo de cargas (100%). Essas estatísticas são reforçadas pela comparação trimestral, que também demonstra uma diminuição em todos os principais índices criminais.

A utilização de tecnologias como IoT, Big Data, IA, SIG e blockchain é fundamental para o planejamento de políticas públicas urbanas. Essas ferramentas possibilitam a coleta e análise de dados em tempo real, tornando as cidades mais responsivas às necessidades dos cidadãos. No entanto, sua eficácia depende não apenas da infraestrutura tecnológica, mas também do comprometimento político e da capacitação dos agentes públicos para a mudança da cultura de trabalho. Ao integrar essas tecnologias, as autoridades podem criar políticas adaptadas ao lugar, promovendo uma cidade mais responsiva, capaz de atender às demandas da população e melhorar sua qualidade de vida.

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*Esta coluna foi escrita em parceria com o geógrafo Luís Fernando Borsoi, especialista em análises espaciais e geoprocessamento, planejamento ambiental e urbano de smart cities.