Pastilhas para interromper a menstruação, partos em barracas e a dificuldade de encontrar um banheiro: assim vivem as mulheres de Gaza deslocadas

Foto: Chetanya Robinson/Flickr Shima Younes, de 35 anos, toma relutantemente as pílulas que vão atrasar sua menstruação.

Foto: Chetanya Robinson/Flickr

Shima Younes, de 35 anos, toma relutantemente as pílulas que vão atrasar sua menstruação. A mulher, mãe de quatro filhos, vive em uma barraca em Rafah, no extremo sul da Faixa de Gaza, e sente que não tem outra opção, devido à falta de água corrente, produtos de higiene e privacidade mínima. “É difícil para mim tomar essas pílulas, mas é a única solução, embora me causem dores nas costas e episódios de tristeza intensa”, explica.

Desde outubro, tarefas simples de cuidado diário, como ir ao banheiro e lavar-se com um mínimo de privacidade, especialmente durante a menstruação, tornam-se uma verdadeira proeza para as mulheres deslocadas de Gaza nos imensos acampamentos improvisados no sul deste território, onde dezenas de milhares de pessoas vivem amontoadas de maneira miserável. Essas mulheres muitas vezes precisam recorrer a soluções alternativas e às vezes arriscadas para sua saúde, como tomar esses medicamentos.

“A escassez de absorventes e tampões agrava essa situação e muitas mulheres recorrem às pílulas de noretisterona, como é o caso de Shima”, explica Walid Abu Hatab, consultor médico em Gaza especializado em obstetrícia e ginecologia. Este medicamento é um tratamento hormonal que ajuda a aumentar os níveis de progesterona para atrasar a menstruação. Mas é uma faca de dois gumes: oferece um alívio temporário nesta situação de emergência, mas pode causar vários efeitos colaterais adversos, como sangramento vaginal irregular, náuseas, tonturas e alterações de humor. “São riscos adicionais para a saúde daqueles que já suportam bombardeios incessantes”, acrescenta o especialista.

Segundo dados da ONU, 1,7 milhão de habitantes de Gaza, de uma população de 2,2 milhões, tiveram que se deslocar desde 7 de outubro, quando o movimento islâmico Hamas realizou ataques sangrentos em Israel, que, segundo fontes oficiais, resultaram na morte de 1.200 pessoas e no sequestro de mais de 200. A resposta militar israelense, que continua até hoje, causou a morte de pelo menos 30.000 palestinos e feriu cerca de 70.000 pessoas, de acordo com números do Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas.

“A escassez de banheiros, instalações para lavagem e serviços de lavanderia acessíveis afeta profundamente o equilíbrio mental das mulheres”, diz Nivín Adnan, psicóloga palestina.

“Sabemos que estão ocorrendo partos, incluindo cesáreas, sem anestesia. Há um colapso quase total do sistema educacional e um sério risco de que as meninas que ainda estão vivas percam todo o ano letivo, com aumento dos riscos associados, como casamento infantil, separação familiar ou tráfico de pessoas. Também há relatos de violência de gênero, incluindo abusos sexuais e ameaças de estupro contra mulheres detidas pelas forças israelenses, tanto em Gaza quanto na Cisjordânia”, declarou Dorothy Estrada Tanck, presidente do Grupo de Trabalho da ONU sobre a discriminação de mulheres e meninas.

O aletear da vida

“O custo do conflito no bem-estar das mulheres tem mil faces”, confirma Nivín Adnan, psicóloga e assistente social de Gaza, também deslocada, detalhando que os desconfortos físicos e as perturbações psicológicas que acompanham a menstruação são exacerbados neste contexto de morte, medo, miséria e deslocamento.

“A escassez de banheiros, instalações para lavagem e serviços de lavanderia acessíveis afeta profundamente o equilíbrio mental das mulheres. Além disso, os abrigos são apertados e não oferecem conforto nem privacidade mínima”, detalha. A especialista adverte ainda que para “as meninas que experimentam sua primeira menstruação nessas circunstâncias, recorrer a medicamentos que atrasam o período representa enormes riscos para a saúde”.

E para as futuras mães, a jornada rumo à maternidade está repleta de perigos. Em abrigos improvisados e superlotados, em escolas em ruínas e em casas semidestruídas, essas mulheres lutam para defender a vida dentro delas no meio do caos. Algumas não conseguem. “Já não sinto o bater da vida dentro de mim. Meu filho não nascido já foi privado de sua inocência e condenado às ruínas”, lamenta Aya Ahmad, que acredita ter perdido o bebê que esperava, mas ainda não pôde confirmar, pois não tem acesso a um hospital ou a um ultrassom.

Marina Pomares, coordenadora do projeto de Médicos Sem Fronteiras (MSF) em Gaza, acaba de retornar de uma missão de um mês na Faixa de Gaza e confirma que há muitas mulheres que não puderam fazer os exames de gravidez e não sabem como está seu bebê.

A responsável do MSF também explica que estão ocorrendo “complicações na gravidez, abortos e partos nos abrigos e barracas” porque as mulheres de Gaza não podem acessar os poucos hospitais que ainda funcionam ou têm medo de ir e não poder receber a atenção de que precisam. “E uma vez que têm seu bebê, elas devem viver com ele em uma barraca, em condições precárias. Temem que a amamentação não funcione devido ao estresse, que não encontrem leite artificial ou que o bebê adoeça e não possam levá-lo a um médico”, resume.

É o caso de Noor Zakari, de 24 anos, que deu à luz seu segundo filho vivendo em um acampamento de deslocados em Rafah. “Estou cercada por muitas pessoas deslocadas. É insuportável estar em uma barraca durante o inverno rigoroso, e estou preocupada com a saúde do meu bebê, pois está muito frio à noite e não há roupas ou cobertores suficientes”, explica.

Sobreviver a qualquer custo

“As mulheres precisam de absorventes, por exemplo, e nem mesmo conseguimos encontrá-los nas lojas. Elas também não têm um local digno e seguro para tomar banho ou um banheiro adequado para suas necessidades. Ir ao banheiro é uma proeza, pois ou estão praticamente no meio da rua ou têm que se afastar e então precisam ser acompanhadas”, cita Pomares.

“Os medos dessas mulheres são totalmente justificados. São mulheres que não comem, não dormem, têm outros filhos para cuidar. Estão exaustas, mas sua prioridade é sobreviver a qualquer custo” Marina Pomares, MSF.

A coordenadora do MSF explica ainda que há mulheres sofrendo fortes infecções vaginais e urinárias devido à falta de higiene e à impossibilidade de trocar de roupa. “Nunca tiveram isso na vida, vêm nos procurar porque se sentem mal e não sabem o que está acontecendo”, detalha.

A ONU, em seu relatório periódico sobre a situação em Gaza datado de 23 de fevereiro, alertou para a urgência de fornecer mais material de higiene para as mulheres da Faixa de Gaza. Até o momento, foram distribuídos cerca de 9.000 kits de higiene menstrual e cerca de 3.500 kits de dignidade, incluindo sabonete, absorventes e roupas íntimas, um número irrisório em relação às necessidades. A ONU também informa que está distribuindo informações sobre como se proteger e denunciar agressões sexuais e que está tentando criar espaços seguros para mulheres e meninas.

“Os medos dessas mulheres são totalmente justificados. São mulheres que não comem, não dormem, têm outros filhos para cuidar. Estão exaustas, mas sua prioridade é sobreviver a qualquer custo”, opina Pomares. “Está claro que se uma mãe precisar levar seu filho a uma UTI neonatal por um problema, há chances de que ele morra porque em um espaço para 12 há 60 bebês. Estamos trabalhando para transmitir um pouco de confiança e segurança a elas, mas o apoio que podemos oferecer às mulheres nessas circunstâncias é muito limitado”, acrescenta.

Asmaa Sendawi está grávida de nove meses e também vive em uma barraca em Rafah com seu marido. Esta mãe de primeira viagem, de 27 anos, não esconde sua angústia. “Honestamente, não sei como vou dar à luz. Estou prestes a isso, mas não há nada para este recém-nascido. Minha filha pode morrer, ela vai morrer com certeza”, soluça.

Neste momento, o único hospital maternal de Gaza é o Emirati, de Rafah, onde a MSF opera. Nesta maternidade, há 26 leitos, mas todos estão permanentemente ocupados e são atendidos 80 partos por dia, além dos que ocorrem em outros centros médicos ou clínicas que funcionam parcialmente ou em abrigos. Segundo dados da Unicef, de outubro até o final de janeiro, cerca de 20.000 bebês nasceram em Gaza.

Meu nome é Eman

Meu nome é Eman, sou jornalista e tenho 22 anos. Sou a autora deste relato e enfrento as mesmas dificuldades que algumas de suas protagonistas. Moro com meus pais e meus sete irmãos em uma barraca em Rafah. Chegamos há um mês, mas parece que foi há anos. Perdi a noção do tempo. Sinto falta da minha vida anterior, do meu quarto independente e aconchegante. Tudo isso parece muito distante. Não temos colchões para todos e tenho passado muitos dias dormindo no chão. Meu corpo dói, não descanso e sinto frio constantemente, especialmente à noite, quando passo horas tremendo.

A chegada do caminhão-pipa é um alívio no meio dessa desesperança, mas a água que ele contém, frequentemente contaminada e suja, nos lembra nossa situação extrema. Meu pai sai de casa todos os dias em busca de comida, mas, apesar de seus esforços corajosos, comemos a mesma coisa todos os dias: algumas conservas, ervilhas e, no melhor dos casos, um pouco de queijo. À medida que os dias passam, a barraca parece menor e me dá claustrofobia. A chuva, às vezes forte, ameaçou derrubá-la várias vezes. Todos nós ficamos doentes e com dificuldades para respirar nessas condições de vida.

Nos últimos dias, ouvi falar de um longo cessar-fogo, com a chegada do sagrado mês do Ramadã. Não tenho confiança. Em um período normal, já estaríamos fazendo compras, preparando comida e a casa para esta data tão querida para nós. Mas sem dúvida este Ramadã será terrível para Gaza.