Análise: China poderia tomar Taiwan sem realizar uma invasão

As forças armadas da China poderiam isolar Taiwan, paralisar a sua economia e fazer com que a ilha se voltasse ao Partido Comunista, em Pequim, sem sequer disparar um tiro, alerta um importante think tank.

Bandeira de Taiwan em Palácio Presidencial

Bandeira de Taiwan em Palácio Presidencial

As forças armadas da China poderiam isolar Taiwan, paralisar a sua economia e fazer com que a ilha se voltasse ao Partido Comunista, em Pequim, sem sequer disparar um tiro, alerta um importante think tank.

Os receios de que o Partido Comunista possa cumprir a sua promessa de um dia assumir o controlo de Taiwan, pela força – se necessário – aumentaram nos últimos anos pelas ações cada vez mais belicosas do líder chinês Xi Jinping em relação à ilha autônoma.

A recusa da China em condenar a invasão da Ucrânia pela Rússia apenas aumentou esses receios.

Num tal cenário, analistas e estrategistas militares há muito que se concentram em duas opções principais disponíveis para a China – uma invasão em grande escala ou um bloqueio militar.

Mas um grupo de reflexão de Washington, o Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), adverte que existe uma terceira via, que tornará muito mais difícil o combate aos Estados Unidos e a outras democracias com ideias semelhantes: a quarentena.

Usando táticas de "zona cinzenta" – ações logo abaixo do que podem ser considerados atos de guerra – a Guarda Costeira da China, a sua chamada milícia marítima e várias agências policiais e de segurança marítima poderiam iniciar uma quarentena total ou parcial de Taiwan, possivelmente cortando o acesso aos seus portos e impedindo que suprimentos vitais, como a energia, cheguem aos 23 milhões de habitantes, afirma um relatório recentemente divulgado pelo CSIS.

Os componentes naval, aéreo e terrestre do Exército de Libertação Popular (ELP), a maior força militar do mundo, podem desempenhar apenas funções auxiliares e de apoio, escrevem os autores Bonny Lin, Brian Hart, Matthew Funaiole, Samantha Lu e Truly Tinsley.

"A China aumentou significativamente a pressão sobre Taiwan nos últimos anos, alimentando receios de que as tensões possam evoluir para um conflito total. Muita atenção tem sido dada à ameaça de uma invasão, mas Pequim tem opções além de invadir para coagir, punir ou anexar Taiwan", diz o relatório.

Na cúpula de defesa do Diálogo de Shangri-La, em Singapura, no início deste mês, o ministro da Defesa chinês, almirante Dong Jun, alertou que aqueles que apoiam qualquer movimento para a independência de Taiwan "acabarão na autodestruição".

"Tomaremos medidas resolutas para restringir a independência de Taiwan e garantir que tal conspiração nunca tenha sucesso", disse Dong, falando através de um tradutor, enquanto criticava "forças interferentes externas" por venderem armas e terem "contatos oficiais ilegais" com Taiwan.

As crescentes táticas da zona cinzenta da China ficaram em evidência esta semana, quando os navios da Guarda Costeira da China entraram em confronto com os barcos da Marinha das Filipinas no Mar do Sul da China.

Vídeos mostraram as tropas de Pequim ameaçando os filipinos com um machado e outras armas brancas, e Manila disse que um de seus soldados perdeu um polegar em uma colisão instigada pelos chineses.

O nível de violência representou um grande avanço em relação aos confrontos anteriores perto de Second Thomas Shoal, onde as Filipinas mantêm um posto avançado num navio de guerra encalhado em águas reivindicadas por Pequim e Manila.

Da mesma forma, a intimidação militar e econômica de Pequim sobre Taiwan, uma economia de mercado livre altamente desenvolvida, tornou-se muito mais pronunciada sob Xi.

O Partido Comunista da China, no poder, reivindica a ilha como sua, apesar de nunca a ter controlado, e prometeu "reunificar-se" com ela, pela força, se necessário.

Mas o relatório do CSIS diz que Pequim tem opções fortes que poderiam não só manter o ELP fora da luta, mas também colocar a democracia da ilha ou os seus apoiantes, como os Estados Unidos, no papel de iniciadores do conflito militar para preservar a autonomia de Taiwan.

O relatório observa que a Guarda Costeira da China – como a maioria das guardas costeiras do mundo – é considerada uma agência de aplicação da lei. Isso significa que pode parar e regular o transporte marítimo ao redor da ilha no que é chamado de quarentena, que difere de um bloqueio.

"Uma quarentena (é) uma operação liderada pela aplicação da lei para controlar o tráfego marítimo ou aéreo dentro de uma área específica, enquanto um bloqueio é principalmente de natureza militar", diz o relatório.

O direito internacional considera o bloqueio um ato de guerra, dizem os especialistas.

"Uma quarentena liderada pela guarda costeira da China não é uma declaração de guerra contra Taiwan", afirma o relatório, e colocaria os EUA numa posição difícil, alertam os seus autores.

Washington é legalmente obrigado – ao abrigo da Lei de Relações com Taiwan – a fornecer à ilha os meios para se defender e fornece-lhe armamento defensivo.

O presidente dos EUA, Joe Biden, foi mais longe do que a exigência legal, dizendo repetidamente que usaria tropas americanas para proteger Taiwan, um aviso que parecia desviar-se da postura anterior de "ambiguidade estratégica" de Washington e que os funcionários da Casa Branca recuaram.

Mas se navios ou aviões militares dos EUA interviessem no que a China diz ser uma operação de aplicação da lei, os EUA poderiam ser vistos como iniciadores de hostilidades militares.

O relatório estima que os números da Guarda Costeira da China sejam de 150 navios oceânicos e 400 navios mais pequenos, como a Marinha do ELP, a maior força do mundo em termos de tamanho de frota.

Pequim tem centenas de outros navios na sua Agência de Segurança Marítima e milícias marítimas, barcos de pesca integrados nos serviços militares e de aplicação da lei da China.

A guarda costeira de Taiwan, com apenas 10 navios oceânicos e cerca de 160 navios mais pequenos, não tem números suficientes para adiar um esforço de quarentena, diz o relatório.

Os autores do CSIS observam que as ações de quarentena tomadas por Pequim podem ser extremamente limitadas e ainda assim ter o efeito de estrangular economicamente Taiwan.

Poucos operadores gostariam de enfrentar a possibilidade de ver os seus bens confiscados pelas autoridades chinesas e poderiam parar voluntariamente de servir a ilha.

"A vontade chinesa demonstrada de procurar e apreender apenas um punhado de navios comerciais poderia ter um impacto dissuasor descomunal e desencorajar transgressões semelhantes", afirma o relatório.

As ações limitadas de busca e/ou apreensão têm efeito nos voos para Taiwan, uma vez que a quarentena pode ser facilmente estendida ao ar, afirma o relatório.

Apenas alguns voos precisariam ser avisados por aeronaves chinesas para ter um efeito sufocante em todo o tráfego, de acordo com o relatório.

Bandeira de Taiwan em Palácio Presidencial / 10/10/2023 REUTERS/Carlos Garcia Rawlins

A China voa regularmente com aeronaves militares ao redor da ilha, às vezes dezenas por dia. Nas 24 horas que terminaram às 6h desta sexta-feira (21), 36 aeronaves militares chinesas cruzaram a zona de identificação de defesa aérea de Taiwan, informou o Ministério da Defesa de Taiwan.

Entretanto, uma quarentena, em vez de um bloqueio, não exigiria que a China fechasse ou restringisse o acesso ao Estreito de Taiwan, observa o relatório do CSIS.

Isso significa que Washington e os seus aliados poderão perder uma das suas maiores pretensões de intervenção ao abrigo do direito internacional, preservando a liberdade de navegação numa via navegável internacional.

"Se a quarentena for considerada uma operação de aplicação da lei, a China pode facilmente anunciar o fim da operação e afirmar que os seus objetivos foram alcançados", afirma o relatório.

Para manter as coisas ainda mais discretas, a China talvez nem precise usar a palavra "quarentena" para iniciar uma operação para isolar Taiwan, dizem os autores.

Sob as suas alegações de que Taiwan é território chinês, Pequim poderia exigir a apresentação de declarações alfandegárias antes que os navios pudessem fazer escala em Taiwan.

Para aqueles que não cumpram, os mecanismos de fiscalização poderão ter um efeito inibidor sobre todos os transportes marítimos.

"Os navios de aplicação da lei chineses serão autorizados a abordar navios, realizar inspeções no local, questionar pessoal e tomar outras medidas contra navios não conformes", afirmou o relatório.

Esta ideia permite um âmbito limitado de operações para a China. Por exemplo, poderia visar apenas o porto mais movimentado da ilha, Kaohsiung, responsável por 57% das importações marítimas de Taiwan e pela maior parte das suas importações de energia, de acordo com o estudo.

Plausível, mas ainda com riscos

Analistas externos que analisaram o relatório do CSIS e falaram com a CNN consideraram-no plausível. Mas eles também nutriam dúvidas importantes sobre como as coisas poderiam acontecer.

Alguns mencionaram que a economia não joga necessariamente a favor de Pequim.

"Manter a quarentena será caro e demorado", disse Carl Schuster, ex-diretor de operações do Centro Conjunto de Inteligência do Comando do Pacífico dos EUA.

"Taipei não desistirá em menos de 60 dias", afirma Schuster. "Pequim poderá sustentar o esforço e a possível reação internacional durante tanto tempo?"

Os esforços para perturbar o status quo no Estreito de Taiwan poderão desgastar ainda mais o comércio externo de Pequim, alertam os especialistas.

Alessio Patalano, professor de guerra e estratégia no King’s College, em Londres, observa os desafios que o Partido Comunista Chinês já enfrenta com uma economia que ainda luta para se recuperar do isolamento da Covid-19, que viu as taxas de crescimento despencarem e novas restrições comerciais, como tarifas sobre suas exportações de veículos elétricos.

Taiwan é uma economia industrializada proeminente, um nó crucial nas cadeias de abastecimento globais e fabricante da grande maioria dos semicondutores mais avançados do mundo. Uma quarentena na ilha teria repercussões económicas não apenas a nível interno, mas global.

Embora a maioria das nações reconheça diplomaticamente Pequim em vez de Taiwan, a ilha tem forjado relações não oficiais cada vez mais fortes com as principais democracias ocidentais, aprofundando esses laços nos últimos anos, à medida que as ameaças de Pequim se intensificaram.

Taiwan e a China também estão profundamente interligadas economicamente. No ano passado, 35% das exportações da ilha foram para o continente chinês, a maioria das quais eram circuitos integrados, células solares e componentes electrónicos, segundo o Ministério dos Assuntos Económicos de Taiwan.

As importações do continente representaram 20% do total das importações da ilha no mesmo ano. Entre 1991 e 2022, as empresas taiwanesas investiram um total de 203 mil milhões de dólares no continente, de acordo com estatísticas do governo de Taiwan, criando milhões de empregos na China.

Além disso, as quarentenas podem levar as populações a unirem-se ao governo, em vez de se levantarem contra ele, afirma Sidharth Kaushal, investigador sénior do Royal United Services Institute, em Londres.

"Evidências históricas mostram que mesmo bloqueios severos têm valor coercitivo limitado, e uma quarentena limitada pode resultar numa manifestação em torno do efeito bandeira", diz ele.

Uma quarentena também poderia levar o governo de Taiwan a declarar independência, algo que Pequim disse repetidamente que provavelmente provocaria conflito armado, alerta Kaushal.

"Isso deixaria o (Partido Comunista) com as opções de escalada ou de um grande revés", diz ele.

Patalano diz que para a China, a paciência é a chave para concretizar o seu objetivo de "reunificação".

A escalada, e certamente a invasão, não é "eficiente em termos de custos", diz ele. A guerra custa não apenas vidas, mas também riqueza nacional.