Carnaval cuiabano resiste, apesar dos pesares
Não é exagero proclamar que o carnaval cuiabano 'desbotou' se comparado com os de décadas passadas.
Não é exagero proclamar que o carnaval cuiabano 'desbotou' se comparado com os de décadas passadas. Outrora, a folia de Momo imperava nas ruas da acanhada, mas sempre festiva, Cuiabá, e era, de fato, uma manifestação popular que juntava animados foliões. Nos clubes sociais, o carnaval era igualmente festejado pela elite local, que lotava os salões nos bailes carnavalescos.
Nos anos 1960 fizeram sucesso os blocos Coração da Mocidade, Sempre Vivinha e Estrela Dalva, entre outros. Nos anos 1970, a chegada das escolas de samba Deixa Cair, Pedroca e Mocidade Independente Universitária revigoraram o carnaval cuiabano de rua. Os desfiles aconteciam na avenida Getúlio Vargas. Já os grandes bailes ocorriam nos Clubes Feminino, Náutico e Dom Bosco.
Para a jornalista e fotógrafa Valéria del Cueto, os carnavais dos anos 1980 foram especiais. À coluna, ela recordou sua participação na folia, em 1985, desfilando numa ala da Unidos do Coxipó. Também contou que foi marcante para o carnaval cuiabano, já no início da década de 1990, o fato de a Escola de Samba Estrela do Oriente ter apresentado um enredo sobre a AIDS. "Foi a primeira agremiação do país a falar no tema, quebrou um tabu e virou referência nacional", relembra com orgulho.
Mas Valéria se entristece ao mencionar um outro desfile carnavalesco da capital, também da década de 1990, realizado na praça de rodeio da Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat). "Carnaval é festa popular e evolui quando 'brota' nas ruas da cidade", enfatizou, ao criticar a opção da época pelo espaço inapropriado.
Também é do passado um traço cultural da cidade que, mesmo não representando a essência do carnaval, está associado, na memória dos cuiabanos, aos dias de Momo. Foi o Grito Rock, cuja primeira edição ocorreu no carnaval de 2003, em Cuiabá, por iniciativa do Espaço Cubo, como uma alternativa à folia. Começou com um dia só de evento, na Galeria do Pádua.
A comunicadora Bárbara Rosa contou à coluna que, nos anos seguintes, o Grito Rock foi tomando forma, ocupando todo período de carnaval como uma plataforma para a circulação de artistas independentes. O festival passou por diferentes locais em Cuiabá, com duas edições no Clube Feminino, que são as mais lembradas. A última edição foi em 2017, na Praça da Mandioca, realizada pelo Espaço Toma.
Bárbara disse que o Grito Rock de Cuiabá representou uma época em que a cultura do rock local era efervescente e ajudava a pautar a cena. A partir de 2007, já com suporte do Circuito Fora do Eixo (coletivo cultural originário de Cuiabá), passou a ser realizado de forma integrada com outras cidades. Em 2014, ocorreu concomitantemente em 400 cidades de 40 países, acrescentou.
Retomando o carnaval-raiz cuiabano, recorda-se que a festa de Momo sempre contou com ajuda, financeira ou logística, da Prefeitura Municipal para sua realização na cidade. Contudo, na perspectiva de patrocínio, o caso emblemático foi o de 2013, quando a capital Cuiabá foi destaque, no desfile carioca da Sapucaí, com a Estação Primeira da Mangueira.
A Prefeitura, sob a gestão do então prefeito Chico Galindo, apoiou financeiramente a escola carioca, o que dividiu os cuiabanos, gerando críticas e aprovação. Parte dos conterrâneos não gostou da ideia, argumentando que o investimento deveria ser em outras áreas, menos carnaval. Isso resultou até em procedimento no Tribunal de Contas da União (TCU), ao fim arquivado.
Mas outra parcela da população aprovou e vibrou com o enredo da Mangueira – Cuiabá: Um Paraíso no Centro da América. Eu, meu marido José e minha filha Bianca vimos Cuiabá na Sapucaí e foi lindo. Valéria del Cueto, que faz cobertura jornalística do carnaval carioca há anos, afirmou que o ex-prefeito Galindo acertou.
"O investimento foi ínfimo diante da audiência alcançada e da projeção de Cuiabá. A Mangueira ganhou naquele ano o Estandarte de Ouro de melhor escola e porta-bandeira com o enredo homenageando Cuiabá. O último carro e as camisas da escola foram inspirados na obra do artista plástico João Sebastião", recordou.
No presente, Cuiabá cresceu em espaço e população, porém seu carnaval deixou as ruas e avenidas, comprimindo-se em ambientes, digamos assim combinados e a maioria privatizados. Agora são os bares, os salões de buffet, casas de shows e algumas praças isoladas em bairros, entre outros espaços, que, resistentes, nos brindam com o carnaval.
A iniciativa popular e gratuita deste 2025 foi o desfile dos nove blocos e das duas escolas de samba da capital, realizado de forma antecipada (sábado passado), no entorno da Arena Pantanal. O evento foi patrocinado pela Secretaria de Estado de Cultura, Esporte e Lazer e organizado pela Liga Independente dos Blocos Carnavalescos e Escolas de Samba de Cuiabá.
Segundo os realizadores, o desfile reuniu cerca de 5.500 pessoas, "marcando a resistência histórica e cultural dos blocos e escolas de samba em Cuiabá". A escola campeã de 2025 foi a G. R. E. S. Payaguás e o bloco vitorioso foi o Império de Casa Nova.
Sim, o carnaval sobrevive. Por isso conterrâneos fiéis ao período de Momo no calendário deste ano, ou seja, deste sábado até terça-feira que vem, fiquem atentos à programação da folia em Cuiabá, Santo Antônio do Leverger, Livramento e Chapada dos Guimarães.
E, no domingo, torçam pelo Brasil no Oscar!
Em tempo 1: Quebrando uma tradição de décadas, a administração municipal não apoiou o carnaval em 2025. O prefeito de Cuiabá alegou falta de dinheiro e o fato de a capital "não ter a cultura de aplicar recursos no carnaval".
Em tempo 2: Na Câmara de Vereadores 'flopou' o pedido de urgência para tramitação de um projeto de lei que proíbe a destinação de recursos municipais para o carnaval em Cuiabá até 2028. Além do autor da proposta, mais 18 vereadores teriam assinado o tal pedido. Na minha opinião, fazem a política comezinha, sem compromisso com o eleitor, e não merecem, portanto, nem ter seus nomes reproduzidos. Um deles disse "estamos no Parlamento para ditar o comportamento da sociedade". Opa! Alto lá! Eu, hein!
Sônia Zaramella é jornalista e professora aposentada do curso de Jornalismo da UFMT.
* A opinião do articulista não reflete necessariamente a opinião do PNB Online