Destruição ambiental impacta na saúde pública e eleva custos do SUS
Em 2024, Amazônia e Cerrado tiveram 17,9 e 9,7 milhões de hectares queimados, respectivamente.
Em 2024, Amazônia e Cerrado tiveram 17,9 e 9,7 milhões de hectares queimados, respectivamente. Essa é a maior área registrada desde 2019 quando o Monitor do Fogo, iniciativa da rede MapBiomas Fogo coordenada pelo IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), iniciou suas medições. Somando todos os biomas, o total queimado no Brasil durante o ano passado chegou a 30,8 milhões de hectares, 79% a mais que em 2023. Este resultado gera um impacto direto não apenas no meio ambiente, mas também na saúde das pessoas.
Em 2020, mais de 1.800 mato-grossenses precisaram ser internados em razão da inalação de materiais particulados provenientes de queimadas e incêndios florestais, gerando um custo de internação em torno de R$ 4 milhões ao Sistema Único de Saúde (SUS). Naquele ano, o Pantanal viveu uma tragédia ambiental com cerca de 30% do bioma consumido pelo fogo. Pesquisas científicas têm evidenciado o inegável impacto da destruição ambiental na saúde humana.
O TBT do PNB desta quinta-feira (22.01) relembra uma entrevista realizada pela repórter Safira Campos em abril de 2024 com a coordenadora-geral de Vigilância em Saúde Ambiental do Ministério da Saúde, Eliane Ignotti, para tratar deste tema.
Ignotti é doutora em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública – Fundação Osvaldo Cruz e possui pós-doutorado pelo Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Além de integrar a equipe do Ministério da Saúde, ela é professora senior de Epidemiologia no Programa de Mestrado e Doutorado em Ciências Ambientais (PPGCA-Unemat) e do Programa de Mestrado e Doutorado em Ciência da Saúde da UFMT. Nesta entrevista exclusiva, a especialista apontou como a pasta chefiada pela cientista social Nísia Trindade Lima tem enfrentado os desafios que relacionam meio ambiente e saúde pública.
Confira abaixo a entrevista:
PNB Online: Qual é o impacto das queimadas florestais na qualidade do ar e na saúde dos habitantes de regiões como Mato Grosso?
Eliane Ignotti: As queimadas e os incêndios florestais têm um grande impacto na qualidade do ar e na saúde dos mato-grossenses. A queima de biomassa, seja por ações humanas ou incêndios naturais, é a principal fonte de poluição atmosférica no Brasil. Especialmente em áreas do Norte e Centro-Oeste, onde não há grandes centros urbanos, a qualidade do ar depende principalmente do controle dessas fontes de poluição. Particularmente no período de estiagem, a qualidade do ar atinge níveis absolutamente inadequados à saúde humana. Não que haja poluição saudável, ou seja, não há nenhum nível de poluição que não seja nociva à saúde humana, mas quanto maior o nível de exposição, maiores os riscos.
Esses riscos vão desde efeitos subclínicos, como incômodo e desconforto, até situação de maior gravidade, que levam a internações e mortes, particularmente por doenças cardiovasculares e respiratórias. Esse é um ponto muito importante porque sempre falamos de doenças respiratórias, mas a poluição atmosférica tem um efeito muito evidente e descrito pela ciência no que se refere ao sistema cardiovascular, como acidentes vasculares, por exemplo.
PNB Online: Do ponto de vista econômico, quais os custos para o SUS decorrentes da exposição da população a esses materiais particulados provenientes de queimadas e incêndios florestais?
Eliane Ignotti: A exposição da população a materiais particulados de queimadas e incêndios florestais acarreta custos importantes para o Sistema Único de Saúde (SUS). Isso se traduz em internações hospitalares, sendo estimado que cerca de 12% das internações por doenças cardiorrespiratórias em adultos acima de 30 anos em Mato Grosso na última década foram atribuídas à inalação de material particulado fino, que é um único poluente, já que há outros poluentes que também impactam a saúde humana. Em 2020, quando vivemos a grande tragédia no Pantanal, houve aproximadamente 1.800 internações desse tipo, o que levou a um custo direto ao SUS de cerca de R$ 4 milhões. Mas esse é apenas o custo direto ao SUS. Esses dão dados de uma pesquisa que contou com a colaboração do Ministério da Saúde, da UFRJ e será apresentado no próximo mês em uma dissertação de mestrado na Unemat.
Nós ainda não temos um estudo geral, mas o custo como um todo vai desde a consulta na unidade básica ou unidade de urgência, por exemplo. Esse é um custo muito alto. Além isso, o custo para este indivíduo também é muito grande e inclui os dias de afastamento do trabalho, a mudança na rotina da família que precisa acompanhar o paciente internado, são os dias depois da internação em que esse indivíduo volta para a casa e ainda não pode retomar a rotina. São muitos aspectos. Desse modo, o custo ao país é muito maior que o custo direto ao SUS.
PNB Online: As políticas atuais de combate ao desmatamento e à degradação ambiental em Mato Grosso estão demonstrando eficácia?
Eliane Ignotti: O que eu observo, como pesquisadora da área de saúde, é que as políticas de combate ao desmatamento e à degradação ambiental em Mato Grosso têm mostrado eficácia variável ao longo do tempo. Trabalhamos em um projeto que observa a saúde dos bombeiros brigadistas nos três últimos anos, com resultados ainda não finalizados. Percebemos após a tragédia no Pantanal em 2020, que houve um esforço notável por parte do Estado de Mato Grosso para controlar as queimadas, utilizando inteligência, tecnologia e equipamentos de proteção individual mais aprimorados.
Observamos, de fato, uma melhoria muito grande. No entanto, o risco de incêndios e queimadas está aumentando devido à crise climática, que já é prevista há décadas pela ciência e que agora está causando secas mais extremas e mudanças mais severas nos padrões de chuva. A melhoria tecnológica precisa ser contínua, pois o risco e a imprevisibilidade desses eventos só tendem a aumentar.
PNB Online: Como as características das ondas de calor na Amazônia brasileira se distinguem das de outras regiões, e como essas diferenças influenciam os impactos na saúde da população local?
Eliane Ignotti: Há distinções de fato, porque as ondas de calor variam conforme o comportamento climático de cada região. No geral, esses eventos estão se tornando mais intensos, frequentes e prolongados em todo o país. Na Amazônia, há uma capacidade de resiliência da população. Ou seja, a população de Mato Grosso está mais adaptada a climas quentes que outras regiões do país. Essa adaptação fisiológica do corpo, nós chamamos de resiliência. Mas essa resiliência tem limites, e nós já mostramos isso em publicações mais recentes.
As ondas de calor podem resultar em mortes ou necessidade de atendimentos médicos, com maior risco para grupos vulneráveis, como crianças, idosos e pessoas com comorbidades. Diante disso, há um esforço de todos os ministérios, liderados pelo Ministério do Meio Ambiente, para elaborar um plano de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Para o Ministério da Saúde, isso significa entender os riscos à saúde, baseado na ciência. É necessário, por exemplo, adaptar o setor a essa crise e ao que vem pela frente. Um exemplo simples é que unidades de saúde não podem estar localizadas em áreas de probabilidade de alagamento. A unidade precisa ser resiliente em situações como essas. Precisa estar aberta em ondas de calor, precisa ter profissionais qualificados para atender eventos de saúde decorrentes de ondas de calor. Pessoas hipertensas, por exemplo, precisam ter sua medicação readequada a momentos de onda de calor e tudo isso está sendo discutido nesse plano.
Como a atividade de garimpo em Poconé e Chapada dos Guimarães pode impactar na saúde das comunidades locais? Qual o impacto desta atividade do ponto de vista ambiental?
Eliane Ignotti: Estamos falando dos efeitos do mercúrio na saúde humana. Garimpo é uma atividade de mineração artesanal e ilegal. Existe também atividade de mineração que é considerada legal. Seja como for, a mineração resulta em desmatamento e tem um impacto ambiental importante. A exposição ao mercúrio, amplamente utilizado nessa atividade, representa um risco para a saúde, pois o mercúrio é um metal que se acumula no corpo e pode causar intoxicação, seja por contato direto, inalação ou através da contaminação de fontes de água e alimentos, como os peixes. Isso pode afetar não apenas as comunidades locais, mas também áreas além do local de mineração, devido ao deslocamento dos peixes contaminados. Além disso, os garimpos muitas vezes são palcos de conflitos territoriais e ocupação irregular, o que pode resultar em impactos adicionais na saúde das populações afetadas.
PNB Online: O Ministério da Saúde tem novos projetos voltados à comunicação de temas relacionados a meio ambiente e saúde com a população?
Eliane Ignotti: Estamos atualmente trabalhando em um projeto para lançar, até o final de maio, um painel informativo sobre poluição atmosférica e seus impactos na mortalidade em todos os municípios do país. Este painel fornecerá transparência e informação aos gestores locais e à população sobre os efeitos da poluição na saúde humana. Acreditamos que essa comunicação será fundamental. Além disso, estamos desenvolvendo a automatização dos boletins epidemiológicos relacionados à poluição e à saúde humana.